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Loteamento, loteamento fechado e loteamento irregular

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Sumário: 1. O instituto do parcelamento do solo urbano; 2. Loteamento fechado – noções gerais. 3. Loteamento fechado e vias e espaços públicos – concessão administrativa; 4. A sociedade sem fins lucrativos como órgão administrativo do loteamento fechado – o regulamento interno; 5. O registro do loteamento fechado – a concessão, o contrato padrão e o registro do regulamento como fundamento para a posterior cobrança das despesas dos adquirentes; 6. Fórmulas mirabolantes no ato de parcelar o solo urbano; 6.1. Condomínio da Lei nº 4.591/64 – Vila; Condomínio de casas (horizontal ou deitado); 6.2. Condomínio do Código Civil; 6.3. Clubes de recreio; 6.4. Associações; 7. Fechamento de loteamento comum já constituído.

1. O Instituto do parcelamento do solo urbano

O parcelamento do solo urbano é regido pela Lei nº 6.766/79 que substituiu o Decreto-lei nº 58/37 que tinha por finalidade tutelar os compradores de lotes sem, contudo, preocupar-se com o aspecto urbanístico.

Em verdade, a Lei nova não revogou a anterior, que continua em vigor para regular as promessas de compra e venda de imóveis não loteados, bem como o parcelamento do solo rural, devendo esse ser compreendido na exata medida da destinação e não da localização. Em outras palavras, o loteamento será urbano se destinado à fins habitacionais, ainda que em zona rural, e, para efeitos penais, nesse caso, submete-se ao artigo 50 e seguintes da nova Lei, já que não se permite loteamento para fins urbanos em área rural (Lei n° 6.766/79, art. 3°).

Parcelamento do solo urbano é gênero do qual são espécies o desmembramento, o loteamento e o desdobro. As duas primeiras espécies sujeitas e disciplinadas pela Lei n° 6.766/79 e a última regulada exclusivamente pela Lei Municipal.

Mister se faz diferenciar loteamento e desmembramento de desdobro, exatamente porque às duas primeiras espécies aplicam-se as disposições da Lei n° 6.766/79, que contém diversas normas que regulam a atividade de parcelamento do solo, com disposições civis, penais e, principalmente, administrativas.

De fato, os parágrafos do artigo 2° da lei n° 6.766/79 definem o loteamento e o desmembramento.

O Loteamento consiste na subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.

O Desmembramento, por outro lado é a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique a abertura de novas vias e logradouros públicos, nem prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

Para que haja aplicação da Lei n° 6.766/79, mister se faz, como dito, que se verifique um loteamento ou desmembramento, e, para o perfeito entendimento da matéria, se faz necessária a decomposição do conceito legal.

1.1. Diferença entre loteamento e desmembramento – abertura ou não de vias e logradouros públicos

O loteamento diferencia-se do desmembramento na exata medida em que, neste, não há falar-se em abertura ou prolongamento de vias de circulação e, tampouco, de logradouros públicos, tais como as praças.

Inicialmente, haverá loteamento no caso de subdivisão de glebas em lotes com abertura de ruas, vielas, praças e outros logradouros públicos.

Se a subdivisão da gleba em lotes aproveitar a malha viária e os equipamentos públicos já existentes, estaremos diante de desmembramento

1.2. Subdivisão de gleba em lotes

Verifica-se que, legalmente, só há loteamento ou desmembramento se da atividade de parcelar o solo urbano extrair-se uma subdivisão de gleba em lotes.

Assim, torna-se de fundamental importância a definição de gleba e de lote para o perfeito entendimento da definição trazida à colação pela Lei n° 6.766/79.

Se não houver a subdivisão de gleba em lotes, não há falar-se em loteamento ou desmembramento.

Nesse sentido, criticava-se a Lei n° 6.766/79 na exata medida em que não definia expressamente os conceitos, deixando tal tarefa à doutrina e à jurisprudência, gerando um verdadeiro imbróglio na aplicação da lei.

Todavia, a Lei n. 9.785, de 29 de janeiro de 1999, acabou por definir o lote pela inclusão dos parágrafos 4° e 5° no art. 2° da Lei n. 6.766/79.

Passaremos a defini-los de acordo com os parâmetros legais.

1.2.1. Gleba

Gleba é a porção de terra que não tenha sido submetida a parcelamento sob a égide da Lei n° 6.766/79, o que eqüivale dizer que estaremos diante de uma gleba se a porção de terra jamais foi loteada ou desmembrada sob a vigência da nova Lei.

Entretanto, mesmo que não tenha havido parcelamento do solo sob a regulamentação da Lei n. 6.766/79 com as alterações posteriores, haverá lote e não gleba, se a porção de terra atenda, quanto à dimensão, os parâmetros da Lei Municipal ou do Plano Diretor, e, além disso, disponha de infra estrutura básica, assim considerada na exata medida da existência de equipamentos urbanos de escoamento de águas pluviais, iluminação pública, rede de esgoto sanitário e abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar, além de vias de circulação, pavimentadas ou não (Lei n. 6.766/79, art. 2° §§ 4° e 5° com a redação dada pela Lei n. 9.785 de 29.1.1999.

O resultado do parcelamento sob os auspícios do Decreto-lei n° 58/37, nos termos do § 1° do artigo 4° e parágrafo único do artigo 11 da Lei n° 6.766/79 trata-se de gleba (Aqui não há, tecnicamente, lote, embora, na prática, mesmo a subdivisão de glebas de acordo com o Decreto-lei n° 58/37, seja denominado lote. Na verdade há uma gleba por força da inferência que se extrai do § 1° do artigo 4° e parágrafo único do artigo 11 da Lei n° 6.766), isso no caso desse parcelamento não ter destinado o mínimo de área pública, acorde com a Lei Municipal, e, também, não ter atendido aos requisitos dimensionais e de infra-estrutura dos §§ 4° e 5° do art. 2° da Lei n. 6.766/79, quando se exige, para parcelamentos posteriores, que o Município ou Distrito Federal fixe as normas urbanísticas.

Nesse caso, é de se verificar a modificação do § 1° do art. 4° da lei n. 6.766/79 que, anteriormente, exigia, de forma indelével, o mínimo de 35% de áreas públicas (artigos 2° e §§; 4° § 1° e 11, parágrafo único da Lei n. 6.766/79), cujo percentual, com as alterações legais, fica hoje a critério da Legislação Municipal.

Assim, somente não haverá falar-se em gleba na hipótese de parcelamento do solo urbano de acordo com o Decreto-lei 58/37, caso esse mesmo parcelamento tenha observado para os logradouros públicos o mínimo do § 1° do art. 4° da Lei n° 6.766/79, exigível no momento do novo parcelamento, ou se enquadre no conceito de lote trazido à colação pelos §§ 4° e 5° da Lei n. 9.785/99, hipótese em que estaremos diante de lote para os fins da Lei n° 6.766/79.

Concluindo, haverá gleba se a porção de terra:

 Não sofreu, anteriormente, parcelamento de acordo com a Lei n. 6.766/79, ou, tendo sofrido, a área não atenda as dimensões urbanísticas definidas no Plano Diretor ou na Lei Municipal ou não contenha a infra-estrutura básica requerida pelos §§ 4°, 5° e 6° do art. 2° da Lei n. 6.766/79;

 Sofreu parcelamento sob a égide do Decreto-lei 58/37 cuja destinação de áreas públicas não atenda atualmente aos requisitos contidos na Lei Municipal (Art. 4° § 1°), ou cuja área não atenda as dimensões urbanísticas definidas no Plano Diretor ou na Lei Municipal ou, ainda, não contenha a infra-estrutura básica requerida (Lei n. 6.766/79, art 2° §§ 4°, 5° e 6°).

1.2.2. Lote

Lote é o terreno servido de infra-estrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo Plano Diretor ou Lei Municipal para a zona que se situe (Lei n. 6.766/79, art. 2° § 4°)

Verifica-se que essa definição, trazida pela Lei 9.785/99 não existia anteriormente, o que demandava enorme esforço exegético para se chegar à definição de lote.

Com efeito, anteriormente, considerava-se lote a ou porção de terra que resultasse de um desmembramento ou de um loteamento sob a égide da Lei n° 6.766/79 ou legislação anterior, desde que, neste último caso, tenha sido destinada área pública mínima.

Nesse sentido, Toshio Mukai, Alaor Caffé Alves e Paulo José Villela Lomar (Loteamentos e Desmembramentos Urbanos. São Paulo, Sugestões Literárias, 1987) definiram lote como toda porção de terra resultante de parcelamento urbano de uma gleba, destinada a edificação.

Atualmente, com a definição de lote trazida pela Lei n. 9.785/99, entendemos que não há mais falar-se em necessidade de loteamento ou desmembramento para que se verifique um lote.

Se a porção de terra se enquadra nos parâmetros dos §§ 4°, 5° e 6° da lei n. 6.766/79, haverá lote mesmo que a porção de terra não tenha sido, anteriormente, loteada ou desmembrada, vez que para loteamento ou desmembramento, nos termos dos §§ 1° e 2° mister se faz a subdivisão de gleba em lote.

Ora, se já existe lote, não há falar-se em loteamento ou desmembramento.

É de se verificar, outrossim, que o artigo 11, parágrafo único da Lei n° 6.766/79 descreve a necessidade de desmembramento para o caso de lotes resultantes de parcelamentos cuja destinação de área pública tenha sido inferior à mínima prevista no § 1° do art. 4° da Lei n° 6.766/79.

De fato, a lei exige desmembramento, entretanto, atecnicamente, se refere a lote.

Ora, o desmembramento, de acordo com o artigo 2°, é a subdivisão de gleba em lotes destinado a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique a abertura de novas vias e logradouros públicos, nem prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

Conclui-se, por conseguinte, que o artigo 11, parágrafo único da Lei n° 6.766/79, quando fala em lote, na verdade, refere-se a gleba, já que não existe o desmembramento de lote.

Portanto, é possível concluir que é lote o terreno servido de infra-estrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo Plano Diretor ou Lei Municipal para a zona que se situe (Lei n. 6.766/79 art. 2° § 4°), independentemente de ter sido ou não objeto de anterior parcelamento do solo urbano (loteamento ou desmembramento).

A conclusão é importante na exata medida da definição legal de loteamento e desmembramento, contida que está nos §§ 1° e 2° do art. 2° da Lei n. 6.766/79, implica, basicamente, na subdivisão de uma gleba em lotes. Se já existe lote não haverá, conseqüentemente, a adequação ao tipo legal e, assim, não haverá falar-se em loteamento ou desmembramento.

1.3. Desdobro

Desdobro é a subdivisão de lote sem alteração de sua natureza, desde que permitida por Legislação Municipal.

A Lei 6.766/79 não disciplinou o desdobro, embora este ocorra e não seja por ela vedado. Entretanto, ressalte-se, só é possível se previsto na Legislação Municipal.

Em verdade, partindo do pressuposto da permissão e regulamentação da Lei Municipal, se não houver subdivisão de gleba em lote, não há nem loteamento e nem desmembramento, mas sim o denominado desdobro.

Nesse caso, se a porção de terra é lote, com essa natureza permanecerá.

Conclui-se, por conseguinte, que desmembramento ou loteamento não se confundem com o desdobro, vez que, neste, após a divisão, não há alteração da natureza em face do resultado; há lotes resultantes de outro já existente.

A importância da distinção se dá principalmente em função da necessidade ou não de observância de farta legislação disciplinadora dos loteamentos e demembramentos urbanos, principalmente da Lei n° 6.766/79.

O desdobro de lote deve respeitar o limite legal de 125 m2 (art. 4°, II), ou aquele maior da Lei Municipal.

Outro requisito, comum a qualquer desdobro, é a permissão por Lei Municipal, que trará à colação os parâmetros necessários e o procedimento a ser adotado.

Normalmente observa-se que há necessidade de um projeto simples, uma planta que contenha a situação anterior, a atual e o resultado do desdobro, acompanhados da nova descrição dos lotes resultantes.

Este projeto, acompanhado da descrição, após a devida aprovação pela Prefeitura Municipal, é submetido a registro no Oficial de Registro de Imóveis competente, que procederá as novas matrículas.

Por fim, cabe ressaltar que a doutrina inadmite o desdobro de gleba e, da mesma forma, o de lote em que haja necessidade de abertura de novas vias de circulação.

Somos de opinião contrária – isolada, é verdade – vez que se não houver subdivisão de gleba em lote, acorde com os parâmetros insculpidos nos parágrafos do artigo 2° da Lei n° 6.766/79, não haverá falar-se em parcelamento do solo urbano.

Ora, se Lei Municipal estabelece um limite máximo de lote, nada impede a subdivisão de glebas, sem que haja parcelamento do solo urbano, desde que resulte em novas glebas (com metragem acima do limite máximo do lote).

No caso, inexistirá a subdivisão de glebas em lotes, mas de gleba em glebas.

Da necessidade de abertura de vias de circulação não se extrai a inferência do loteamento ou desmebramento, desde que não haja subdivisão de gleba em lotes.

Portanto, havendo subdivisão de gleba em glebas (Neste caso, só se a Lei Municipal estabelecer o limite máximo do lote) ou de lote em lotes, não haverá falar-se em parcelamento do solo que se subsuma à lei n° 6.766/79, mas, exclusivamente, à Lei Municipal.

2. Loteamento fechado – noções gerais

O loteamento fechado nada mais é que o resultado da subdivisão de uma gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação e de logradouros públicos, cujo perímetro da gleba original, ao final, é cercado ou murado de modo a manter acesso controlado.

Nesse caso, os proprietários, mediante regulamento averbado junto à matrícula do loteamento, são obrigados a contribuir para as despesas decorrentes da manutenção e conservação dos espaços e equipamentos públicos que passam ao uso exclusivo por contrato administrativo de concessão entre o Município e uma associação criada para esse fim.

Mister se faz acentuar que a aprovação do loteamento fechado em nada difere do loteamento comum, com o acréscimo de alguns elementos que adiante veremos.

Todavia, a lei n° 6.766/79 nada dispôs acerca do loteamento fechado, até porque na década de setenta não havia tanta insegurança pública quanto a que existe atualmente.

É preciso observar que a fonte do direito é o fato dotado de relevância. Portanto, o legislador não poderia se preocupar com a regulamentação do instituto naquela época, em que a insegurança nos moldes atuais somente se esboçava.

Cumpre assinalar, também preliminarmente, que a espécie sub oculis não se confunde com vila e tampouco com condomínio fechado - loteamento horizontal ou deitado - como querem alguns e como se verificará nas linhas abaixo.

Em verdade, a venda de fração ideal de terreno nos moldes do condomínio do Código Civil ou, ainda, da Lei n° 4.591/64, sem a devida aprovação do parcelamento de acordo com a Lei n° 6.766/79, tratar-se-á de crime tipificado nos artigos 50 e 51.

O preclaro Elvino Silva Filho caracteriza o loteamento fechado (Loteamento Fechado e Condomínio Deitado. Revista de Direito Imobiliário – IRIB. 14/20):

a) é aprovado exatamente como um loteamento comum;

b) os lotes são de exclusiva propriedade dos adquirentes, que nele construirão da forma que lhes aprouver, respeitados os requisitos municipais;c) os lotes são tributados individualmente;

d) o perímetro da gleba é fechado por autorização municipal, sendo que o acesso é efetuado por entrada submetida a controle;

e) a Prefeitura Municipal, no ato da aprovação do loteamento, outorga concessão de uso aos proprietários precedida de Lei;

f) O loteador deve apresentar minuta do regulamento de uso e manutenção dos equipamentos comunitários, obrigando-se, a partir de cada venda, fazer constar nas escrituras de compra e venda ou mesmo no contrato de promessa de compra e venda, a obrigação do adquirente contribuir para a manutenção e assinar o regulamento.

3. Loteamento fechado e vias e espaços públicos – concessão administrativa

Inicialmente, para a admissão do loteamento fechado, uma dificuldade surge: se o artigo 22 da Lei n° 6.766/79 determina que desde a data do registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas aos edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, como pode haver a possibilidade de fechamento do perímetro de um loteamento, restringindo o uso dos bens públicos unicamente aos proprietários dos lotes ?

A resposta nos dá José Afonso da Silva:

....um momento importante da atividade urbanística diz respeito à ordenação do solo, cujas normas estatuem sobre o parcelamento do solo urbano ou urbanizável e sua distribuição pelos diversos usos e funções , gerando as instituições do arruamento e do loteamento, do reparcelamento (ou remembramento), do zoneamento de uso e da ocupação do solo

São normas de competência municipal e se encontram, em geral, nas chamadas leis de zoneamento.

O parcelamento urbanístico do solo, em todas as suas formas, sujeita-se às normas urbanísticas estabelecidas na legislação municipal. (José Afonso da Silva. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo, RT, 1981. P.379)

Assim, por LEI MUNICIPAL, há possibilidade de se autorizar o fechamento do loteamento com a restrição de uso dos bens públicos aos seus proprietários através da CONCESSÃO DE USO.

Nem se diga que, de acordo com o artigo 99, inciso I, do nosso Código Civil, tais bens seriam de uso comum do povo.

O que determina essa característica é a destinação do bem e não simplesmente o fato de tratar-se de praça ou rua.

De acordo com o Direito Administrativo, essa destinação é denominada afetação.

Para o preclaro José Cretella Junior, a afetação nada mais é que a destinação, consagração, e afetar é destinar, consagrar algo a um determinado fim.

Com efeito, para atingir os fins últimos que tem em mira, precisa a Administração utilizar bens, quer de sua propriedade, quer da propriedade dos particulares. Afetar é destinar, consagrar, carismar, batizar determinados bens , que se acham fora do mundo jurídico, ou no mundo jurídico, mas com outra destinação e traços, para que, devidamente aparelhados, entrem no mundo do Direito Administrativo (José Cretella Junior. José, dos Bens Públicos no Direito Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 1969, pp. 95-97).

Não há como negar que as ruas, praças e demais espaços livres, no ato do registro do loteamento passam para o domínio do Município, inferência que se extrai do artigo 22 da Lei n° 6.766/79.

Entrementes, através de ato administrativo, ou seja, através de contrato particular de concessão de uso de bens públicos e Lei Municipal dispondo acerca dessa concessão, pode o Município afetar seus bens, ou seja, destiná-los a categoria de bens de uso especial nos moldes do artigo 99, inciso II do Código Civil.

Ao contrário dos bens de uso comum, em que a regra é a liberdade de todos para a utilização, nos bens de uso especial ou privativo, a liberdade desaparece por força das circunstâncias, convergindo e fixando-se na pessoa dos usuários que preenchamos requisitos estabelecidos para a referida outorga privilegiada. (José Cretela Junior. ob. cit. p. 73)

A CONCESSÃO de uso, é o contrato administrativo pelo qual o Poder Público atribui a utilização exclusiva de um bem de seu domínio a particular, para que o explore segundo sua destinação específica. (...) a concessão pode ser remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, mas deverá sempre ser precedida de autorização legal (...) Na concessão de uso, como, de resto, em todo contrato administrativo, prevalece o interesse público sobre o particular, razão pela qual é admitida a alteração de cláusulas regulamentares do ajuste e até mesmo sua rescisão antecipada, mediante composição dos prejuízos, quando houver motivo relevante para tanto. (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro – 20ª ed. São Paulo, Malheiros, 1995)

Qual seria o interesse público a ensejar a concessão dos bens públicos ao uso exclusivo dos proprietários dos lotes ?

A resposta se dá com simplicidade. O fato do Poder Público livrar-se da manutenção desses bens, assim como o fortíssimo argumento da segurança pública do cidadão, são motivos mais que suficientes para admitir-se a concessão.

Não se pode olvidar que os Municípios, a rigor, vivem em constante estado de penúria financeira.

Por conseguinte, é benéfica a concessão, já que os bens passam a administração e conservação dos proprietários que continuam pagando o Imposto Predial e/ou Territorial Urbano, embora não seja possível, nessa eventualidade, a cobrança de taxas de limpeza, conservação e demais abarcadas pela responsabilidade dos particulares e estipuladas no instrumento de concessão.

Com isso, o Município pode aplicar seus parcos recursos na área social e em outras prioridades, enquanto os proprietários, por força da concessão, obrigam-se pela manutenção e conservação dos espaços livres, praças e ruas para que possam gozar de mais segurança, v.g coleta de lixo, manutenção da pavimentação, das praças etc.

Mas para quem é efetuada a concessão da qual tratamos ?

Dependerá do que estiver disposto na Legislação Municipal. Todavia, é aconselhavel, e assim tem sido feito, que o contrato de concessão seja firmado com uma sociedade civil sem fins lucrativos constituída pelos proprietários da área com a finalidade de recolher os recursos para fazer frente às despesas, administra-los e realizar a conservação e manutenção dos bens públicos.

4. A sociedade sem fins lucrativos como órgão administrativo do loteamento fechado – o regulamento interno

A rigor, inicialmente, a sociedade é constituída pelo loteador, vez que o instrumento de concessão, precedido de Lei Municipal, é firmado antes do registro do loteamento, e, portanto, antes de qualquer venda dos lotes, corolário do que dispõe o artigo 37 da Lei nº 6.766/79.

Nesse sentido, é de fundamental importância um regulamento que regerá o uso dos espaços concedidos, forma de contribuição e demais obrigações dos proprietários, cuja minuta é apresentada juntamente com a aprovação do loteamento e registrado junto ao Oficial de Registro de Imóveis com os outros documentos do artigo 18 da Lei n. 6.766/79, o que se faz para a necessária publicidade a terceiros, adquirentes dos adquirentes originais.

É que, normalmente, o adquirente original, já na assinatura da escritura ou do contrato de compromisso de compra e venda, assina também o regulamento referido nesses contratos.

Assim o é em virtude da obrigação assumida pelo loteador de colher assinatura de todos os adquirentes no aludido regulamento por força do encargo assumido em face da concessão dos bens públicos firmada entre a Prefeitura e a sociedade sem fins lucrativos que ele necessariamente integra.

Esse regulamento muito se assemelha com o regulamento do condomínio da Lei nº 4.591/64, embora com este não se confunda.

Como dito alhures, não há condomínio da Lei nº 4.591/64 em se tratando de loteamento fechado !

As vias de circulação, os espaços públicos e livres do loteamento, por força do artigo 22 da Lei nº 6.766/79 são de domínio público do Município.

O que não se pode negar é que há uma comunhão no uso dessas vias e espaços públicos.

Entretanto, por analogia, utilizando os conceitos da Convenção do Condomínio da Lei nº 4.591/64, nesse regulamento são fixadas as normas que regerão o uso e manutenção dos bens públicos e daqueles comuns, tais como a portaria, os muros e cercas, a forma do uso da propriedade, os serviços de vigilância e segurança, a forma de recolhimento das contribuições etc, que serão abaixo tratadas.

Marco Aurélio da Silva Viana enumera os requisitos desse regulamento (Loteamento Fechado e Loteamento Horizontal 1ª ed. Rio de Janeiro. Aide, 1991. pp. 57/61), os quais adaptamos e, a título exemplificativo, citamos:

 Discriminação das partes e frações comuns e as que foram objeto de concessão pelo Município bem como obrigatoriedade de contribuição para fazer frente a essas despesas, discriminando as ordinárias e extraordinárias bem como a forma e destino de fundos de reserva;

 Disposição acerca da proibição da alienação em separado dos bens comuns;

 Especificação da destinação das partes comuns, tais como piscinas, churrasqueiras etc;

 Modo de uso dos bens públicos objeto de concessão;

 Especificação da administração, fazendo referência a associação que exercerá a administração e que firmou o contrato administrativo de concessão;

 Modo de escolha da direção do órgão administrativo, que é a associação que recebeu a concessão dos bens públicos, repetindo os seus termos;

 Modo de destituição do administrador;

 Determinação das assembléias ordinárias e extraordinárias dos proprietários, forma e data de convocação bem como o quorum para as diversas deliberações que também devem estar discriminadas;

 Discriminação dos direitos e obrigações dos moradores e do órgão administrativo;

 Criação de sanções civis para a transgressão do regulamento, bem como pela mora no pagamento das contribuições;

 Transcrição da concessão de uso em seus exatos termos;

 Estabelecimento de força obrigatória do regulamento, bem como a nulidade de qualquer negócio que não conste a submissão do adquirente aos seus termos.

5. O registro do loteamento fechado – a concessão, o contrato padrão e o registro do regulamento como fundamento para a posterior cobrança das despesas dos adquirentes

Como dissemos, o loteamento fechado se submete ao mesmo procedimento de registro de um loteamento comum. Todavia, acrescem alguns requisitos e documentos.

Com efeito, juntamente com os documentos do artigo 18 da Lei nº 6.766/79, ao Oficial de Registro de Imóveis apresentar-se-á o ato administrativo de concessão de uso das vias de circulação praças e demais logradouros públicos além do regulamento de uso desses bens, sem contar a menção desses documentos no contrato-padrão exigido pelos artigos 18 inciso VI e 26 da Lei nº 6.766/79.

No caso de loteamento fechado, além dos requisitos do artigo 26, o contrato-padrão deverá explicitar a existência da concessão outorgada pelo Município com todas as suas cláusulas, bem como a existência do regulamento e a concordância com todos os seus termos.

Em verdade, além desses requisitos necessários, não raro, observa-se a existência de partes comuns que não são integrantes dos bens que passam ao domínio do Município por força do artigo 22.

É o caso da guarita, vestiário dos empregados, dependências administrativas, local para guarda de materiais além dos muros.

Nessa eventualidade, haverá fração ideal sobre essas áreas comuns, acessória do lote, e, alienado este, alienada estará a fração das partes comuns na exata medida da acessoriedade.

Mas não é só. Mister se faz tornar público, também, o regulamento que regerá toda a vida no loteamento, principalmente quanto a obrigatoriedade de contribuição para fazer frente às despesas assumidas em face da concessão do uso dos bens públicos.

É certo que a concessão é efetuada a uma sociedade e que de acordo com a Constituição Federal, ninguém é obrigado a se associar.

Entretanto, duas importantíssimas considerações devem ser tecidas.

A primeira, é que a obrigação de contribuir para as despesas comuns não decorre do fato do adquirente estar ou não associado à sociedade sem fins lucrativos que, a rigor, será o órgão administrativo do loteamento fechado. Em verdade, a obrigação de contribuir para as despesas de manutenção, conservação, segurança e as demais no loteamento fechado, decorre da publicidade dada ao regulamento pela averbação no Oficial de Registro de Imóveis onde estiver registrado o loteamento.

A segunda, é que o regulamento previamente averbado junto à matrícula do loteamento, fulmina de nulidade qualquer cláusula tendente a elidir a obrigação em venda posterior que não conste a submissão do adquirente às suas cláusulas. Não se trata de submissão ilegal da propriedade privada, mesmo porque, o adquirente conhece a circunstância da necessidade de contribuir pela própria aparência do imóvel e pelo próprio registro.

Este regulamento, averbado junto à matricula do loteamento, dará a necessária publicidade aos adquirentes de lotes, futuros adquirentes nas alienações dos originais, bem como credores na constituição de direitos reais.

Todos saberão de antemão as condições do uso dos bens públicos dentro do loteamento e, principalmente, a necessidade de contribuir para as despesas comuns.

Aliás, os Tribunais vem considerando que só a circunstância de existir a despesa comum autorizaria a cobrança, o que se faz em face do princípio da vedação do enriquecimento ilícito:

Tribunal de Justiça de São Paulo

Ação de Cobrança - Despesas de condomínio em loteamento - Comprovação da prestação de serviços, inclusive fornecimento de água pela entidade autora - Obrigação do réu de efetuar o pagamento ainda que não filiado, sob pena de locupletamento ilícito - Sentença de procedência mantida. (Apelação Cível n. 251.226-2 - São Paulo - 11ª Câmara Civil - Relator: Cristiano Leite - 02.09.96 - V.U.)

Tribunal de Justiça de São Paulo

Loteamento - Administração exercida por associação sem fins lucrativos - Prestação de serviços no interesse comum dos proprietários - Ação de cobrança ajuizada ante a recusa de pagamento da quota-parte por adquirente de lote - Ausência de motivos justificados para o não pagamento - Prestação devida, mesmo pelo não filiado, ante o efetivo aproveitamento dos serviços - Não demonstração, ademais, de irregularidades no âmbito da cobrança - Questões alheias ao mérito do pagamento a serem debatidas nas vias adequadas - Ação procedente - Decisão mantida - Recurso não provido. O fundamento do pedido deduzido é a própria prestação de serviços ao requerido, na qualidade de proprietário de um lote do loteamento "Campos da Cantareira". Apesar disso, há que se considerar que a comunidade formada pelos proprietários dos lotes de um loteamento é, por sua própria natureza, uma associação intuitiva, natural, dada a forte comunhão de interesses que os ligam. (Apelação Cível n. 269.630 -2 - Mairiporã - 2ª Câmara de Direito Privado - Relator: Vasconcellos Pereira - Julgado em 10.12.96 - V. U.)

Tribunal de Justiça de São Paulo

Cobrança - Loteamento - Despesas de manutenção de área e benfeitorias de uso comum - Encargos a que o réu se obrigou, perante a loteadora no compromisso de compra e venda - Validade da posterior cessão de direitos referentes à administração do condomínio - Responsabilidade reconhecida - Apelação não provida. (Apelação Cível n. 267.357 -2 - São Paulo - 5ª Câmara de Direito Privado - Relator: Marcus Andrade - 24.10.96 - V. U.)

Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo

Processo n. 629908-9/00. Apelação – Origem: São Paulo - Órgão: Terceira Câmara Especial, Julho/95 – Julgamento: 29/08/1995. Relator.Carlos Paulo Travain - Decisão: por maioria.

Competência recursal - condomínio - despesas condominiais de loteamento fechado, referentes a conservação de vias e logradouros públicos por parte de associação de moradores - competência deste Tribunal reconhecida - declaração de voto vencido.

Condomínio - despesas condominiais - loteamento fechado administrado por associação de proprietários - concessão de direito real de uso das vias, logradouros e áreas verdes - Lei 1205/92 - apelante que ao adquirir o lote passou a ser membro nato da associação, obrigando-se a participar do rateio das despesas de administração - irrelevância, ademais, de se cuidar de loteamento fechado e não de condomínio por tratar-se de direito obrigacional decorrente da escritura publica de compra e venda - cobrança procedente - recurso improvido.

Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo

Condomínio - despesas condominiais - loteamento irregular - cobrança - inadequação da via - prestação de serviços - cabimento. É de ser ressalvado o direito dos proprietários assim organizados de cobrar do proprietário de lote as despesas dos serviços que, àquele título, fizerem em proveito dele, direta ou indiretamente, pena de enriquecimento sem causa. Ap. s/ Rev. 495.732 - 3ª Câm. - Rel. Juiz João Saletti - J. 23.12.97

Ora, o proprietário se beneficia da segurança e da conveniência de se ter controle de acesso ao loteamento e, ainda que lá não tenha construído, tal circunstância valoriza sua propriedade.

O argumento comum daqueles que não possuem construção nos lotes é logo rechaçado pelo simples fato de que os serviços são colocados à sua disposição, e que, de antemão, conheciam a obrigatoriedade de contribuição em face da publicidade do registro.

Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro

Condomínio – Despesas - Apelação cível n. 6087/96 - Reg. n. 2860-2 - Cód. 96.001.06087 - Primeira Câmara - por maioria - Juiz: Nascimento A. Povoas Vaz - Julgamento: 13/08/96 - Convenção. Validade. Partes comuns. Contribuição. Condomínio instituído por adquirentes de lotes validade e oportunidade da convenção perante terceiros, ainda que não tenham participado da avença, se registrado o instrumento no registro imobiliário correspondente. Existência, no loteamento, de partes objeto de propriedade individual, e de partes comuns do uso de todos, a justificar regime legal assemelhado ao do condomínio horizontal, estejam ou não edificados os lotes que o compõem. Desinfluência do retardamento do credor em proceder a cobrança de seu credito. Incidência da correção monetária a partir dos vencimentos de cada prestação devida. Procedência da cobrança de cotas de rateio das despesas comuns, e improvimento do apelo.

Voto vencido- Vi-me compelido a discordar da douta maioria por entender que a forma de constituição do pretenso condomínio, que não se assemelha a formação do condomínio horizontal, fere, frontalmente o direito de propriedade daquele que não participou da avenca para instituir a referida comunhão. Juiz Paulo Lara.

Tribunal de Justiça de São Paulo

Loteamento Fechado - Despesas comuns - Cobrança de quota-parte - Admissibilidade - Hipótese em que a cobrança dos serviços de manutenção dos logradouros área de lazer está prevista em contrato - Todos os proprietários devem contribuir para a cobertura da totalidade dos gastos - Não residência no loteamento - Irrelevância - Contribuição devida - Recurso não provido. (Apelação Cível n. 282.126-1 - São Paulo - 9ª Câmara de Direito Privado - Relator: Franciulli Netto - 11.11.97 - V. U.)

Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro

Condomínio – Despesas - Apelação cível n. 1823/89 – Reg. n. 2304 - Cód. 89.001.01823 - Sétima Câmara – Unânime - Juiz: Pedro Fernando Ligiero - Julg: 19/04/89 - Loteamento Fechado - Condomínio Atípico. A falta de jurisdicialização do Condomínio não libera a parte de cumprir obrigação que livremente aceitou quando aderiu, na aquisição de sua propriedade, ao rateio das despesas comuns. Condomínio atípico. Eficácia do registro. Efeitos entre partes e ante terceiros. Num. ementa : 32102

Mas como se dá o registro do regulamento? Poderia ele ser efetuado no Registro de Títulos e Documentos? A resposta nos dá Elvino Silva Filho:

A publicidade propiciada pelo registro de um contrato ou de uma convenção no Registro de Títulos e Documentos é extremamente relativa, principalmente quando esses Registros estão separados do Registro de Imóveis ou são vários Registros de Títulos e Documentos em uma comarca de grande porte ou movimento.

Assim, sem violentar a expressão “convenções de condomínio”, prevista no n. III do art. 178 da Lei de Registros Públicos, pois no loteamento fechado inexiste condomínio, como já afirmamos diversas vezes, determinamos a juntada do regulamento de uso das vias e espaços livres no processo de loteamento fechado e efetuamos uma averbação na matrícula onde o loteamento foi registrado. Essa averbação, a nosso ver, encontra pleno apoio na expressão “ outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro, constante da parte final do art. 246 da Lei de Registros Públicos.

Se o regulamento ou a convenção de uso das vias e espaços livres dos loteamentos fechados não chega a constituir ato que altere o registro do loteamento, ele é, indubitavelmente, ato que complementa seu registro e que, pela sua necessária e imprescindível publicidade, merece ser acolhido no Registro de Imóveis.(Elvino Silva Filho. Ob. cit. p.22).

Em verdade, a contribuição devida pelo proprietário do lote tratar-se-á, em virtude do registro e da publicidade, de obrigação propter rem, ou seja, vinculada à propriedade.

As obrigações propter rem podem ser definidas como aquelas em que o titular de um direito real sobre determinada coisa passa a ser devedor de uma prestação, sem que, para tanto, tenha havido qualquer manifestação de vontade sua nesse sentido.

No entendimento de Giovanni Balbi, é a obrigação que se transmite ou se extingue na exata da transmissão ou extinção da qualidade do direito real do seu titular (Le obligazioni propter rem. Memorie delle institute Giuridici della Universitá di Torino, 1950, série II, p. .111).

Para Paulo Carneiro Maia, a obrigação propter rem é um tipo de obrigação ambulatória, a cargo de uma pessoa, em função e na medida de proprietário de uma coisa ou titular de um direito real de um uso e gozo sobre a mesma coisa (Obrigação propter rem in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 55, p. 360).

O que faz de alguém o devedor na obrigação propter rem é a circunstância de ser o titular, em regra, de um direito real (Hassen Aberkane. Essai d’une theórie génerále de l’obligation “propter rem” en droit positif français. Paris, 1957, ns. 21, 28, 29 e 36), de tal sorte que se livra da obrigação se renunciar ao direito.

São exemplos deste tipo de obrigação:

a) dever de colaboração do proprietário de imóvel confinante com as despesas de demarcação entre os prédios (Código Civil, art. 569);

b) dever de pagamento da hipoteca que grava um imóvel, que a ele adere, independentemente de quem seja o proprietário ou titular;

c) obrigação do condômino em concorrer, na proporção de sua parte, para as despesas de conservação ou divisão da coisa comum e suportar, na mesma proporção de sua quota parte, os ônus a que a coisa estiver sujeita (Código Civil, art. 624; Lei 4.591/64 art. 12).

A obrigação propter rem está indelevelmente ligada ao titular de um direito real em face da coisa e não dele.

Portanto, verifica-se que, alienada a coisa sobre a qual recai a obrigação propter rem, o devedor libera-se da dívida, já que esta adere ao bem e não ao seu titular, de tal sorte que acompanhará as mutações subjetivas de titularidade do direito real.

Verifica-se, também, que os direitos reais, sejam perpétuos ou temporários, principais ou acessórios, implicam, via de regra, numa situação de permanência em relação ao seu titular (Edmundo Gatti. Teoria General de Los Derechos Reales. Buenos Aires, Abeledo – Perrot, p. 68).

Diferente disso, nos direitos pessoais o pagamento extingue a relação jurídica obrigacional que, por natureza, é transitória.

Posta assim a questão, segundo nos ensina Planiol, o adquirente do direito real assume a obrigação que de forma indelével grava o direito real (Traité élémentaire de droit civil, 7ª. Ed., Paris, 1915, v. 1, n. 2.368, p. 735-6).

6. Fórmulas mirabolantes no ato de parcelar o solo urbano

Muitas vezes, movidos por fórmulas mágicas, maus empresários empregam meios não muito ortodoxos para conseguir, por via oblíqua, aquilo que não conseguiriam pelo meio normal.

Todas essas fórmulas, tratando-se da subdivisão de uma gleba em lotes para fins habitacionais, nos termos do artigo 2° da Lei nº 6.766/79, implicam em crime dos artigos 50 e seguintes úteis do mesmo Diploma Legal.

O hoje brilhante advogado, Dr. José de Mello Junqueira, quando Juiz da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital de São Paulo, redigiu precioso parecer acerca do tema, o qual transcrevemos em parte:

A imaginação fértil de inescrupulosos encontrou, para fugir às exigências urbanísticas e protetivas da Lei de Parcelamento do Solo Urbano, a forma de retalhamento por condomínio ou através das próprias prefeituras, pelo expediente da desapropriação de faixas de ruas.

Ficaram comprovados, nos autos, os registros de diversas frações ideais, em número de 2.430, junto à matrícula 56.797 do Cartório de Registro de Imóveis da comarca de Itanhaém.

Destarte, devem os Cartórios de Registro de Imóveis estar atentos a essas artimanhas e ardis, negando-lhes seguimento toda vez que se propiciar qualquer fundamento para a recusa do registro.

Inúmeros serão os casos de condomínios que se instituem e que de uma forma ou de outra burlam as normas de sua própria constituição e, assim, os dispositivos da Lei nº 6.766/79.

Entendo, pois, que os Oficiais do Registro de Imóveis não podem coonestar tais situações; pelo contrário, vigilantes, devem afastá-las de pronto.

Proponho, destarte, a edição de provimento, inserindo nas Normas de Serviço uma proibição a que se proceda a registros de venda de partes ideais e instituições de condomínios que derroguem as normas do Código Civil sobre a matéria.

Exemplos dessas situações foram apontadas nesses autos, como a venda de frações ideais, mas localizadas, numeradas e com metragem certa, constando, inclusive, planta e memorial descritivo.

Todo condomínio ordinário terá que observar as regras dos artigos 623 e ss. do CC e qualquer desvio revela forma oblíqua de se obter um loteamento (José de Mello Junqueira. RDI 11/152).

Passamos a exemplificar esses meios oblíquos, alguns até curiosos.

 

 6.1. Condomínio da Lei n. 4.591/64 – Vila; Condomínio de casas (horizontal ou deitado)

Não se pode negar a existência de condomínio de casas, as chamadas “vilas”, que encontram sustentáculo nos artigos 8º e 68 da Lei nº 4.591/64, e que também se tem chamado de condomínio horizontal ou deitado.

Entretanto, trata-se de instituto completamente diverso do loteamento e do desmebramento, regulados pela Lei nº 6.766/79.

A atividade de parcelar o solo urbano, de acordo com a definição do ato trazida à colação pelo artigo 2º da Lei nº 6.766/79 deve, necessariamente, submeter-se às normas desta Lei.

Essa atividade, caracterizada pelo ato de subdividir uma gleba em lotes destinados à edificação, jamais pode ser confundida com a de incorporar e construir estabelecida pela Lei nº 4.591/64.

Ora, o artigo 28 da Lei nº 4.591/64 determina que é considerada incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para a alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.

Da atividade de parcelar o solo urbano não surge a necessidade de edificar, mas, tão somente, a finalidade de edificação, inferência que se extrai do termo destinados à edificação contido nos parágrafos do artigo 2° da Lei nº 6.766/79.

Por si só, essa circunstância já seria bastante para inadmitir-se “condomínio de lotes” ou condomínio deitado sem que haja construção pelo incorporador.

Entretanto, com supedâneo nos artigos 8º e 68 da Lei nº 4.591/64, há quem admita o loteamento por condomínio ou loteamento horizontal, submetido à Lei nº 4.591/64.

De fato algumas semelhanças existem entre o loteamento fechado e o condomínio deitado, o que explica, em parte, a confusão operada:

 O perímetro de ambos os empreendimentos é cercado e o acesso ao interior controlado;

 Em ambos há comunhão de uso das vias internas e espaços livres

 Nos dois tipos de empreendimento há a necessária aprovação pela Prefeitura Municipal.

Entretanto, as semelhanças para por aí, começando as diferenças determinantes:

 Regulamentação da vida interna. No condomínio deitado ou horizontal, a vida interna é regulada pela Convenção nos moldes do artigo 9º e seguintes úteis da Lei nº 4.591/64, enquanto que no loteamento fechado deve ser observado o regulamento de uso, que apenas subsidiariamente utiliza os ditames da Lei nº 4.591/64;

 Objeto. No condomínio deitado ou horizontal o objeto é uma casa térrea ou assobradada – unidade autônoma – bem como fração ideal dos espaços livres, enquanto que no loteamento fechado é um lote de terreno, sem construção.

 Espaços livres internos e vias de circulação. No condomínio deitado, as vias de circulação e os espaços internos que não compõem a unidade autônoma, são frações ideais de uso comum e propriedade dos condôminos. No loteamento fechado, por força do artigo 22 da lei nº 6.766/79, os espaços internos e vias de circulação são bens públicos, apenas concedidos por ato administrativo ao uso exclusivo dos proprietários de lotes, podendo tal ato ser revogado.

 Registro. O condomínio deitado submete-se aos trâmites da Lei nº 4.591/64, inclusive, às vezes, com prévio registro da incorporação, enquanto que o loteamento fechado submete-se ao disposto na Lei nº 6.766/79, especificamente no seu artigo 18.

Notáveis decisões, referidas no artigo do grande registrador de Campinas, Elvino Silva Filho, identificam as diferenças:

Na verdade, pretende em imóvel do qual é proprietária, subdividí-lo em quadras, com “frações ideais” variando de 250 a 324, 06m2, perfazendo um total de 66, sem se propor à construção de casas térreas ou assobradadas, que, segundo afirma, “caberá a cada condômino, de acordo com a sua livre iniciativa, dentro de sua fração ideal, especificada e delimitada nos compromissos de compra e venda das partes ideais constituídas dos lotes de terreno, cabendo a aprovação da construção ao Poder Executivo, representado pela Prefeitura local.(...)

Para melhor entendimento da questão em debate, é importante que se faça uma análise das disposições contidas na Lei nº 4.591 de 16.12.64, notadamente da parte que trata do condomínio e das incorporações. Ficou patente nessa legislação que o condomínio será em edificações e os arts, 1º ao 7º traçam regras a esse respeito.


Já o art. 8º, embora admita a possibilidade de condomínio em terreno onde não houver edificação, pressupõe o plano para a construção das mesmas.

Nesse particular, faz-se um parêntese para lembrar a bem elaborada Lei de Vilas do Município de São Paulo (Lei Municipal n° 11.605 de 12.07.1994), que exatamente encampou o artigo 8º da Lei nº 4.591/64, permitindo o condomínio desde que, nos seus exatos termos, seja aprovado juntamente com o condomínio deitado, o projeto das casas que serão construídas, mesmo que não sejam edificadas de imediato, permitindo o “habite-se” parcial das obras mínimas, ou seja, das instalações comuns (guarita, muros, estacionamento de visitas etc).

Seguem as decisões nesse sentido:

Essas normas legais, em se tratando de empreendimentos futuros, devem ser entendidas em consonância com o art. 28 da mesma legislação, que define as incorporações imobiliárias, ou seja, “a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção para a alienação, total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas” (art. 28, parágrafo único).

Perante o Cartório Imobiliário as situações podem ser delineadas sob dois prismas.

O primeiro atine ao condomínio em edificações puro e simples, com o proprietário construindo as casas térreas ou assobradadas e, posteriormente, providenciando a averbação das construções e a instituição.

O segundo refere-se à incorporação, isso quando houver interesse na alienação total ou parcial de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas, mesmo antes de ser efetuada a construção.

A conclusão inafastável é, portanto, no sentido de que a Lei 4.591/64 não permite o condomínio de lotes sem vinculação à edificação.

A instituição pretendida pela recorrida não trata da construção de casas. Não há vinculação entre as frações ideais do terreno e as edificações. Ausentes os pressupostos contidos nos artigos 7º e 8º da Lei nº 4,591/64, é evidente que o condomínio a que se refere o título não tem a ver com o regulamento neste diploma legal. (...)

Decidiu com acerto o Magistrado sentenciante ao asseverar que “a suscitada deixou realmente de atender às exigências previstas previstas na lei sobre parcelamento do solo urbano, deixando igualmente de obedecer aos requisitos da Lei 4,591/64, e, em conseqüência, o registro não pode ser obtido. Não estando a hipótese dos autos enquadrada na Lei nº 4.591/64, se a apelante insistir no empreendimento deverá obedecer aos ditames da Lei 6.766/79, já que, na realidade, com a venda de lotes, pretende a toda evidência, parcelar o solo urbano.

Como já frisou a douta Procuradoria–Geral da Justiça, “o ato jurídico de lotear, que a apelante quer praticar, só pode estar sujeito à sua lei específica”. (Apelação Cível 2.002-0; Origem: Taubaté; DJE de 13.7.83, caderno 1, p.8; apud Elvino Silva Filho. Ob. cit. pp. 31 e 32).


Outras decisões seguem essa mesma linha:

A instituição da Lei 4.591/64, posto que não se aplique somente a edifícios, tem sua existência subordinada à construção de casas térreas, assobradadas ou de edifícios. Sem a vinculação do terreno às construções não há condomínio que se sujeite à lei especial.

A instituição pretendida pela recorrida não trata da construção de casas. Não há vinculação entre as frações ideais do terreno e as edificações. Ausentes os pressupostos contidos nos arts. 7º e 8º da Lei nº 4.591/64, é evidente que o condomínio a que se refere o título não tem a ver com o regulado neste diploma legal.(...)

Resta mostrar outros inconvenientes que, embora de ordem prática, não podem ser desprezados pelo intérprete em hipótese em que a lei é omissa ou falha.

Ressalte-se, de início, que todas as formas de loteamento que têm sido feitas à margem da Lei 6.766/79 acabam por causar grandes transtornos aos Municípios. Os loteamentos fechados, que se tem formado, no mais das vezes, à revelia das Prefeituras, acabarão mais cedo ou mais tarde, entravando a expansão da zona urbana, pela impossibilidade de integração das vias internas ao sistema viário do Município (Apelação Cível 2.349-0; Origem: Patrocínio; DJE de 24.11.83, caderno 1, p.23; apud Elvino Silva Filho. Ob. cit. pp. 32 e 33).


O preclaro José Afonso da Silva assim se manifestou acerca do tema, em relação ao artigo 8º da Lei de Condomínios e Incorporações:

Esse dispositivo, na real verdade, tem sido usado abusivamente para fundamentar os tais loteamentos fechados. Fora ele estabelecido, certamente, não para tal finalidade, mas para possibilitar o aproveitamento de áreas de dimensão reduzida no interior de quadras, que, sem arruamento, permitam a construção de conjuntos de edificações, em forma de vilas, sob o regime condominial. Em situação como essa, a relação condominial é de grande utilidade, como na chamada “ propriedade horizontal”, quando, no entanto, a situação extrapola desses limites, para atingir o parcelamento da gleba com verdadeiro arruamento e posterior divisão das quadras em lotes, ou quando se trata apenas da subdivisão de quadra inteira em lote, com aproveitamento das vias de circulação oficial preexistentes, então aquele dispositivo não pode mais constituir fundamento do aproveitamento, em forma de condomínio, porque aí temos formas de parcelamento urbanístico do solo, que há de reger-se pelas leis federais sobre loteamento e pelas leis municipais sobre a matéria urbanística, aplicáveis a esse tipo de urbanificação. Temos tido “loteamentos fechados ” até com mais de 1.000 casas de residência , com arruamentos e tudo o mais que é próprio do processo de loteamento. As prefeituras deverão negar autorização para esse tipo de aproveitamento do espaço urbano, exigindo que se processe na forma de plano de arruamento e loteamento ou de desmembramento, que não se admite sejam substituídos por forma condominial, como se vem fazendo. Vale dizer, os tais “loteamentos fechados” juridicamente não existem; não há legislação que os ampare, constituem uma distorção e uma deformação de duas instituições jurídicas: do aproveitamento condominial de espaço e do loteamento ou desmembramento. É mais uma técnica de especulação imobiliária, sem as limitações, as obrigações e os ônus que o Direito Urbanístico impõe aos arruadores e loteadores do solo (Ob.cit. p.p. 403 e 404).

Resume Marco Aurélio da Silva Viana: a) não se pode falar em loteamento porque esse vocábulo exprime a divisão de uma gleba com o aparecimento de unidades menores; b) inexiste disciplina legal específica, não se aplicando o Código Civil ou a Lei nº 4.591/64; c) o art. 8º só tem aplicação a áreas de dimensão reduzidas no interior de quadras; d) à míngua de disciplina específica, a administração pública fica inibida de permitir o parcelamento; e) o art. 8º só se aplica em havendo vinculação à construção. (ob. cit., p. 111).

6.2. Condomínio ordinário

Tampouco há que se confundir o loteamento e o parcelamento com a formação de um simples condomínio estipulado no artigo 1.314 e seguintes do Código Civil, já que, pelo princípio da especialidade, ocorrendo a atividade tipificada no artigo 2º e §§ da Lei nº 6.766/79, jamais haverá a possibilidade de apenas vender-se frações ideais de um todo.

Não que esteja revogado o condomínio do Código Civil, longe disso.

O que existe no caso é uma tentativa de burlar as exigências da Lei nº 6.766/79 de tal modo que, desde que não haja a intenção de subdividir uma gleba em lotes para fins habitacionais, e que de fato não ocorra o tipo do artigo 2º e §§ da Lei nº 6.766/79, nada impede a venda de uma gleba para duas ou mais pessoas em condomínio, aquele estipulado no Código Civil.

Preleciona Diógenes Gasparini:

No condomínio do Código Civil o comunheiro não detém uma porção certa e determinada do imóvel mas, tão só, uma parte ideal. Não há um misto de áreas exclusivas e comuns, não se lhe atribuíndo, por isso, o domínio e o uso privativo de áreas destacadas, e o condomínio de áreas comuns. Assim, não se pode fundar, como querem alguns, tais “loteamentos” no condomínio romano ou tradicional, previsto e regulado pelo Código Civil, nos arts. 623 usque 641[ atualmente, artigos 1.314 a 1.330 do novo Código Civil], dado ser essencial a essas urbanizações a individualização das áreas autônomas ou “lotes” e a indicação das “áreas comuns” (Loteamento em condomínio, O Estado de São Paulo, 25.04.1982, p. 59)

6.3 - Clubes de recreio

Nessa modalidade, o “loteador” cria um clube de recreio e aliena um título de sócio.

Esse título vem “acompanhado” de um lote de terreno devidamente individualizado e localizado em quadra numerada, além da participação nas áreas comuns do “clube”.

Por evidente que não há qualquer registro dessa venda, já que a propriedade imobiliária da gleba é da associação que forma o clube. Só por essa circunstância já haveria irregularidade consubstanciada na sonegação do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis, sem contar o crime tipificado no artigo 50 da Lei nº 6.766/79.

6.4 - Associações

Outra modalidade teratológica de parcelar o solo urbano é aquela pela qual o “loteador” aliena a sua gleba a uma Associação que ele incentiva, que, por seu turno, “vende” participação a diversas pessoas que dividem a gleba para fins habitacionais.

Nesse caso os adquirentes são “associados” de uma pessoa jurídica que é proprietária da gleba ou então adquirem pura e simplesmente dessa associação uma fração ideal “devidamente individualizada”.

Esta modalidade ilegal muito se assemelha ao clube de recreio do qual falamos, mas, na prática, de forma criminosa, é método mais utilizado para lotes populares.

Por óbvio que se trata de um meio ingênuo de driblar todas as exigências urbanísticas inerentes à atividade de lotear e desmembrar e, por tal razão, deve ser prontamente repelida pelos órgãos municipais e estaduais, sem contar o Ministério Público, cuja função é de fiscalizar a correta aplicação Lei nº 6.766/79.

Nem se fale da hipótese de dissolução dessa sociedade nos termos dos atos constitutivos, como ficariam, nessa eventualidade, os “associados” ?

A respeito, recentemente no ABC paulista, diversos compradores incautos foram rechaçados de suas humildes residências, exatamente por conta de prática desse jaez. Ocorre que, no caso, as autoridades competentes demoraram a agir, e, quando agiram, havia uma situação de fato consolidada, o que tornou violenta a remoção de inúmeras pessoas, terceiros de boa-fé.

Outra região bastante atingida é a Cantareira, em São Paulo e, para ilustrar, transcrevemos trecho de reportagem do Estado de São Paulo a respeito:

Um dos mais novos loteamentos clandestinos na Cantareira é o Brasil Novo (...). A área, que até a década de 60 era conhecida como Sítio Piqueri, começou a ser desmatada e dividida em 700 lotes de apenas 132 metros quadrados, há menos de dois meses.

Cada lote de 6 metros por 22 metros está sendo vendido por R$ 12.000, que podem ser pagos com uma entrada de R$ 2.100,00 e 76 prestações no valor de dois salários mínimos. A responsável pelo empreendimento, a “Cooperativa” (...), cobra ainda uma taxa de contrato de R$ 250,00 que dá direito a uma planta-modelo e a assessoria de um arquiteto para a construção da casa. Se vendesse todos os lotes em seis anos, que é o prazo para quitação do negócio, a falsa associação faturaria R$ 8,4 milhões.

Quem adquire o lote recebe apenas um contrato de compra e venda e a promessa de uma escritura no futuro, quando o loteamento for regularizado – fato que, informam os corretores, é garantido.


Continua o repórter, fazendo-se passar por comprador em conversa com o vendedor da “cooperativa”:

Estado – Esse terreno é invadido ?

Rivelino – Não, o terreno é legal. Nós temos a escritura do terreno registrada em cartório.

Estado – Quer dizer que vou ter a escritura do meu lote?

Rivelino – Não, você vai receber um contrato de compra e venda assinado pelo presidente da Cooperativa (...), o (...). O terreno é legal, mas o desmembramento total ainda não foi autorizado.

Estado – Então isso é que chamam de loteamento clandestino?

Rivelino – É. A coopereativa é uma associação sem fins lucrativos, criada para fazer o loteamento (...)

Estado – Mas a associação tem fins lucrativos, não é ?

Rivelino – É, tem.
(O Estado de São Paulo – 27.09.1998 – p. C3.).

A reportagem relata, ainda, diversos loteamentos clandestinos em forma de associação. Na verdade, em muitos casos, o proprietário da gleba coloca um “testa de ferro” como presidente dessa associação que se encarrega da venda dos “lotes”.

6.5. Incentivo à invasão

Verifica-se que a mente dos loteadores clandestinos é demasiadamente fértil.

Chegam ao ponto de combinar e incentivar a invasão de uma gleba com o fim de não observar os preceitos da Lei n° 6.766/79.

Incentivada a invasão, com os “invasores” já ocupando a propriedade, ingressam com ação de reintegração de posse.

Com respaldo da coisa julgada, efetuam acordo com os “invasores” nos autos dessa ação.

Por óbvio que haverá a necessidade de se provar essa intenção, tarefa difícil para o Ministério Público, com o que contam os que assim procedem de forma criminosa.

7. Fechamento de loteamento comum já constituído

Até agora só nos referimos ao loteamento fechado constituído desde a aprovação e registro.

Todavia, uma questão inevitavelmente surge. Seria possível o fechamento de um loteamento que originalmente não possuía essa característica?

Entendemos que sim, e assim pensamos na exata medida dos argumentos que passaremos a aduzir.

O que caracteriza o loteamento fechado é a concessão do uso dos bens públicos do artigo 22 da Lei nº 6.766/79 firmada com associação de moradores, precedida de Lei Municipal, bem como o precitado regulamento devidamente averbado junto à matrícula do loteamento.

Nada impede que os moradores se cotizem para fechamento do loteamento. Inicialmente, mister se faz que criem uma associação sem fins lucrativos, com a participação da totalidade dos moradores.

A unanimidade é fundamental, sem o que não haverá possibilidade de fechamento.

Nesse ponto diferirá do loteamento fechado desde a aprovação, vez que neste a sociedade sem fins lucrativos, inicialmente, é formada somente pelo loteador, que é o único proprietário. Na exata medida da venda dos lotes, os terceiros adquirente estarão necessariamente vinculados a esse órgão administrativo por força do regulamento averbado junto ao Oficial de Registro de Imóveis, independentemente do adquirente se associar.

Criada a associação, esta deve firmar contrato administrativo de concessão com o Poder Público Municipal devidamente autorizado por Lei.

É também necessária a averbação do regulamento junto à matrícula do lotreamento para que terceiros, adquirentes dos proprietários que promoveram o fechamento, se vinculem aos seus termos, seguindo os mesmos conceitos do loteamento já fechado.

Se ainda restarem lotes de propriedade do loteador, também será necessária a alteração e o registro do novo contrato-padrão, de acordo com os artigos 18, inciso VI e 26 da Lei nº 6.766/79.

Neste deverá constar transcrição do contrato de concessão, bem como menção ao regulamento e necessidade de fazer constar sua existência em cessões e futuras alienações, muito embora só por cautela, já que terceiros adquirentes estarão vinculados pela publicidade conferida pela averbação do regulamento junto à matrícula do loteamento e não pela sua menção nas escrituras e promessas de compra e venda ou associação ao órgão administrativo do loteamento.