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As vagas de garagem e a disciplina imposta pela Lei 12.607, de 4 de abril de 2012

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Luiz Antonio Scavone Junior

Advogado, Administrador pela Universidade Mackenzie, Mestre e Doutor em Direito Civil pela PUC-SP, Professor e Coordenador do Curso de pós-graduação em Direito Imobiliário da EPD, Pro­fessor de Direito Civil e Mediação e Direito Arbitral nos cursos de graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da FAAP. Autor de diversas obras e, entre elas: Direito Imobiliário – teoria e prática (Ed. Forense) e Juros no Direito Brasileiro (RT).


As vagas de garagem têm gerado infindáveis problemas no âmbito dos condomínios edilícios.

Seja como for, há duas espécies de vagas: unidades autônomas, com escritura e registro próprios; e, direito de uso de vagas previamente demarcadas em área comum, que não se separa da fração (Código Civil, art. 1.339).


A segunda espécie, mais frequente, é a vaga de garagem constituída por área comum, de acordo com o instrumento de especificação e instituição do condomínio, que não pode ser alienada separadamente da unidade a que se refere nos termos do art. 1.331, § 2º, do Código Civil.


Normalmente essas vagas se submetem ao sorteio periódico, na forma da convenção, cujo critério não pode ser alterado em detrimento de alguns condôminos (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apel. Cív. nº 129.521-2, 12ª Câm. Cív., rel. Carlos Ortiz, julgamento: 12.04.1988), embora haja decisão que admita a mudança por decisão tomada pela maioria em assembleia (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apel. Cív. nº 104.545-2, RJTJESP 102/178).


Ocorre que também existem as garagens como unidades autônomas, exclusivas, não vinculadas a qualquer outra unidade autônoma.


A jurisprudência que tratava do assunto, permitia a venda e locação das vagas constituídas por unidades autônomas:


Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo. Condomínio – vaga em garagem – unidade autônoma – especificação e discriminação – locação – admissibilidade. É perfeitamente possível na especificação e discriminação do condomínio, tratar a vaga da garagem como unidade autônoma, hipótese em que lhe deve ser atribuída fração ideal de terreno, assim desvinculando-se da unidade habitacional. Pode ser livremente alienada tanto a condômino quanto a estranhos, bem como ser alugada, por extensão do direito de propriedade. Inteligência dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei 4.591/64 (Apel. nº 196.364, 7ª Câm., rel. Juiz Guerrieri Rezende, j. em 23.09.86, in JTA (RT) 105/296).


De fato, sempre se entendeu que a vaga de garagem constituída por unidade autônoma poderia ser livremente alienada ou locada, em respeito ao direito real de propriedade.


Nesse sentido, a restrição do § 2º, do art. 2º, da Lei 4.591/1964, apenas se aplicava às vagas de garagem constituídas por áreas comuns, acessórias dos apartamentos.


É o que se depreende da parte final do § 1º, do art. 2º, da Lei 4.591/1964, que ressalvava:


Art. 2o, § 1o (...), no caso de não lhe ser atribuída fração ideal específica de terreno.


Vejamos:


Art. 2º Cada unidade com saída para a via pública, diretamente ou por processo de passagem comum, será sempre tratada como objeto de propriedade exclusiva, qualquer que seja o número de suas peças e sua destinação, inclusive edifício-garagem, com ressalva das restrições que se lhe imponham.


§ 1º O direito à guarda de veículos nas garagens ou locais a isso destinados nas edificações ou conjuntos de edificações será tratado como objeto de propriedade exclusiva, com ressalva das restrições que ao mesmo sejam impostas por instrumentos contratuais adequados, e será vinculada à unidade habitacional a que corresponder, no caso de não lhe ser atribuída fração ideal específica de terreno.


§ 2º O direito de que trata o § 1º deste artigo poderá ser transferido a outro condômino, independentemente da alienação da unidade a que corresponder, vedada sua transferência a pessoas estranhas ao condomínio.


§ 3º Nos edifícios-garagem, às vagas serão atribuídas frações ideais de terreno específicas.


No mesmo sentido:


Tribunal de Justiça de São Paulo. Condomínio. Locação de vagas em garagem. Admissibilidade – matrículas autônomas – fruição do direito constitucional de propriedade. Hipótese em que não houve alteração da destinação do imóvel. Recurso provido. A vaga especificada como unidade autônoma pode ser alienada, onerada, alugada ou emprestada a pessoas não titulares de qualquer unidade autônoma do edifício (Apel. Cív. nº 250.871-2, São Paulo, rel. Marcondes Machado, 14.02.1995).


Essa era a lição do festejado Professor Caio Mário da Silva Pereira (Condomínio e incorporações, 10a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 74): Nada obstante a interpretação literal levar à inalienabilidade da vaga de garagem a estranhos, mesmo quando se lhe atribui fração ideal, a tendência atual, através de doutrina pretoriana, é em sentido contrário, isto é: somente quando não ligada à fração ideal é que é vedada a alienação. Em caso contrário é alienável. Se a convenção não o proibir, é lícito o aluguel da vaga correspondente.


De fato, essa posição encontrava supedâneo no art. 4º da Lei 4.591/1964:


Art. 4º A alienação de cada unidade, a transferência de direitos pertinentes à sua aquisição e a constituição de direitos reais sobre ela independerão do consentimento dos condôminos.


No mesmo sentido, o art. 1.331 do Código Civil:


Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.


§ 1º As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas, sobrelojas ou abrigos para veículos, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se à propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários.


Ocorre que a Lei 12.607, de 4 de abril de 2012, publicada no Diário Oficial da União no dia 5 de abril com uma vacatio legis de 45 dias, alterou a redação do § 1º do art. 1.331 do Código Civil para restringir a venda ou a locação apenas a condôminos, exceto autorização expressa da Convenção:


§ 1o As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio.  (g.n.)


Nota-se que esse dispositivo é aplicável às vagas de garagem que possuem matrícula e constituem unidades autônomas.


Em outras palavras, o Código Civil enumera as unidades condominiais exclusivas, permitindo a livre alienação ou gravame por seus proprietários, independentemente do consentimento dos demais proprietários de outras unidades, estabelecendo a exceção das vagas de garagem, que só concedem o mesmo direito se alienadas ou locadas a outros condôminos, salvo se a convenção permitir a venda ou a locação para terceiros, estranhos ao condomínio.


Alguns, sem razão, confundem a possibilidade de vender as unidades condominiais autônomas com a vedação do art. 1.339 e seu § 2º, que está assim redigido:


Art. 1.339. Os direitos de cada condômino às partes comuns são inseparáveis de sua propriedade exclusiva; são também inseparáveis das frações ideais correspondentes as unidades imobiliárias, com as suas partes acessórias.


(...)


§ 2º É permitido ao condômino alienar parte acessória de sua unidade imobiliária a outro condômino, só podendo fazê-lo a terceiro se essa faculdade constar do ato constitutivo do condomínio, e se a ela não se opuser a respectiva assembleia-geral.


É evidente, evidentíssimo, aliás, que às vagas autônomas de garagem não se aplica esse dispositivo, aplicando-se, em verdade, o já citado art. 1.331, § 1º.


Então, o que seria parte acessória da unidade, que somente pode ser alienada a terceiros com autorização da convenção e da assembleia?


A resposta, no que concerne às vagas de garagem, nos parece muito simples: caso a convenção estabeleça que ainda que a vaga seja autônoma, com matrícula própria, seja, também, acessória da unidade, aplica-se o § 2º do art. 1.339 do Código Civil e o seu titular só poderá alienar a terceiro se essa faculdade constar da convenção e, demais disso, deverá submeter a venda à aprovação da assembleia, que deliberará pela maioria dos presentes, sendo mister convocação específica, não se aplicando, neste caso, o art. 1.331, do Código Civil.


Seja como for, quanto à redação do § 1º, do art. 1.331, do Código Civil dada pela Lei 12.607/2012, à luz da Constituição Federal, em seu Título II, Capítulo I, que trata dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, é preciso observar que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito (artigo 5º, XXXV), não prejudicará o direito adquirido bem como determina que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (artigo 5º, LIV).


Assim, o artigo 5º, inciso XXII, da Carta Magna estabelece ser garantida aos brasileiros e estrangeiros a inviolabilidade do direito à propriedade.


A propriedade, no Direito Civil, consiste na fruição plena e exclusiva, por uma pessoa, de um determinado bem.


A sua definição é, portanto, extraída das prerrogativas que o domínio oferece: usar, gozar, dispor reivindicar a coisa de quem quer que indevidamente a detenha.


O direito de propriedade pressupõe sempre a existência de um bem ou de uma coisa determinada, sobre a qual incide a ação de seu titular. E vigilante está a proteção legal, emanada da norma agendi, a fim de que possa submetê-la a seu poder, pelo modo mais amplo.


Por sua vez, no artigo 170 da Constituição Federal, vê-se estipulado que a ordem econômica deverá observar vários princípios, entre os quais a propriedade privada (artigo 170, inciso II).


Se assim o é, o condômino, dispondo de propriedade constituída por vaga autônoma de garagem, não pode ser privado ou ter o seu uso, fruição, disposição e reivindicação modificado por lei posterior.


Posta desta maneira a questão, a nova redação § 1º do art. 1.331 do Código Civil dada pela Lei 12.607, de 4 de abril de 2012, publicada no Diário Oficial da União no dia 5 de abril com uma vacatio legis de 45 dias, que restringiu a venda ou a locação de vagas autônomas, com matrícula própria, apenas a condôminos, exceto autorização expressa da Convenção, só se aplica aos condomínios instituídos após a sua vigência.


A possibilidade de locação de vagas de garagem:


De outro lado, o art. 1.338 do Código Civil, permite a locação de vagas, seja qual for a espécie (vaga autônoma ou fração ideal), estabelecendo, apenas, a necessidade de se atribuir preferência aos condôminos:


Art. 1.338. Resolvendo o condômino alugar área no abrigo para veículos, preferir-se-á, em condições iguais, qualquer dos condôminos a estranhos, e, entre todos, os possuidores.


Com a permissão de locação de vaga de garagem ou abrigo de veículo, o Código Civil assegura o direito de fruir, condicionando, contudo, o exercício desse direito.


Nota-se que o dispositivo não estabelece distinção entre vaga autônoma e o direito a vaga de veículo enquanto fração ideal a que o condômino faz jus.


De qualquer forma, embora não atribua exclusividade na locação, oferece ao condômino direito de preferência em relação a estranhos, desde que em igualdade de condições, e, entre todos, os possuidores.


Como visto no item anterior, a Lei 12.607, de 4 de abril de 2012, publicada no Diário Oficial da União no dia 5 de abril com uma vacatio legis de 45 dias, alterou-se a redação do § 1º do art. 1.331 do Código Civil para restringir a venda ou a locação de vagas de garagem constituídas como unidades autônomas apenas a condôminos, exceto autorização expressa da convenção.


Sendo assim, a aplicação do art. 1.338 do Código Civil, no que diz respeito à locação de vagas de garagem a estranhos, para os condomínios instituídos após o início da vigência da lei. 12.607/2012, dependerá de expressa autorização da convenção, ainda que se trate de vaga de garagem qualificada como fração ideal por uma questão de lógica e interpretação sistemática.