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O inadimplemento do promitente comprador: prescrição da pretensão da cobrança, da resolução do contrato e prescrição aquisitiva (usucapião) requerida pelo promitente comprador inadimplente

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LUIZ ANTONIO SCAVONE JUNIOR
 
Advogado, Administrador pela Universidade Mackenzie, Mestre e Doutor em Direito Civil pela PUC-SP, Professor e Coordenador do Curso de pós-graduação em Direito Imobiliário da EPD, Pro­fessor de Direito Civil e Mediação e Direito Arbitral nos cursos de graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da FAAP. Autor de diversas obras e, entre elas: Direito Imobiliário – teoria e prática (Ed. Forense) e Comentários às alterações da Lei do Inquilinato (RT).
 
Muita celeuma se verifica em torno dos prazos prescricionais envolvendo o inadimplemento das obrigações decorrentes do compromisso de compra e venda.
 
Posta desta maneira a questão, vou tentar colocar ordem no mistifório jurisprudencial em razão da mais absoluta inexistência de firme posição pretoriana em alguns pontos que envolvem a tormentosa questão.
 
Começo da indagação mais simples por não envolver raciocínio elaborado: qual o prazo para exercer a pretensão de cobrar ou executar as parcelas inadimplidas pelo promitente comprador?
 
A resposta se dá com simplicidade jurídica: é de se aplicar a norma insculpida no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil, segundo o qual prescreve em cinco anos a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constante de instrumento público ou particular, contado o prazo a partir dos respectivos vencimentos.
 
Em consonância com o acatado:
 
TJSP - 0010146-10.2009.8.26.0318 - Apelação - Relator: João Pazine Neto - Comarca: Leme - Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento: 29/03/2011 - Data de registro: 30/03/2011 - Outros números: 101461020098260318 - Cobrança Compromisso de compra e venda. Prazo prescricional de cinco anos, nos termos do artigo 206, § 5º, I, do Código Civil, contado dos vencimentos das respectivas parcelas não adimplidas. Cláusula de vencimento antecipado da dívida. Irrelevância para a ação em que se busca a cobrança das parcelas vencidas. Sentença reformada para se contar a prescrição a partir do vencimento de cada uma das parcelas. Aplicação do artigo 515, § 3º, do CPC. Recurso provido em parte.
 
Ultrapassada a clareza inicial do tema, sabe-se que ao promitente comprador impossibilitado de cumprir a sua obrigação, mesmo inadimplente, permite-se requerer a resolução do contrato e “reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem” (Súmula 1 do TJ/SP).
 
Neste caso, a par de diversas interpretações, é preciso observar que a devolução das parcelas pagas só é possível depois da resolução do contrato, uma vez que a aquela é mera consequência lógica desta, “tanto que é determinada mesmo sem pedido expresso ou reconvenção nesse sentido. O prazo, pois, para a pretensão da devolução das parcelas só tem início a partir da rescisão.” (TJSP - 2a Câmara de Direito Privado - Apelação n° 0117944-48.2008.8.26.0000, Rel.: Des. Neves Amorim. Julg.: 22/03/2011).
 
E como a dívida não é líquida e tampouco certa, o prazo não é de cinco, mas de dez anos, de acordo com a regra geral do art. 205 do Código Civil, tendo em vista o pedido condenatório da devolução de valores pagos.
 
Sobre o tema, surge, ainda, outra indagação, decorrente da faculdade conferida pelo art. 475, do Código Civil, que permite ao lesado pelo descumprimento das obrigações – no caso o promitente vendedor que não recebeu as parcelas do preço – requerer a resolução (impropriamente denominada “rescisão” até pelos Tribunais) ao invés de cobrar as parcelas em atraso.
 
Qual seria o prazo – se é que existe – para requerer a resolução do compromisso de compra e venda ante o inadimplemento do promitente comprador?
 
Neste caso, “da prescrição quinquenária das parcelas em aberto não se cogita, por tratar-se de rescisão contratual por inadimplemento e não de cobrança de parcelas vencidas e não pagas” (3ª Câmara de Direito Privado - Apelação Cível n. 531.959.4, julg: 4/11/2008).
 
Mesmo assim, a grande maioria dos julgados sustenta que “a pretensão de resolução contratual por inadimplemento, está sujeita ao prazo prescricional geral de 10 (dez) anos a que alude o artigo 205 do Código Civil" (Apelação Cível n. 436.628.4/5-00, de São Paulo, Relator Francisco Loureiro, julg: 5/03/2009) e que “a contagem do prazo prescricional tem início com o descumprimento do contrato, e não a partir da assinatura do mesmo” (TJSP - Apelação n. 234.634.4-0/00 - 994.02.025652-7, Julg: 23/02/2010).
 
Discordo e dou o motivo de conclusão diversa: é lição comezinha que não se aplicam prazos prescricionais às ações desconstitutivas (constitutivas negativas) em que não há prazo específico na lei, como é o caso da ação de resolução de compromisso de compra e venda por inadimplemento do adquirente, o que se afirma com supedâneo na lição que inça da doutrina de Agnelo Amorim Filho (RT 300/7 e RT 744/723; Agnelo Amorim Filho, Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo, v. 3º, p. 95-132, jan./jun. 1961).
 
Portanto, é equivocado o entendimento que aplica prazo prescricional a ação desconstitutiva de resolução de compromisso de compra e venda.
 
Se assim o é, resta saber se o promitente comprador inadimplente pode argüir usucapião (prescrição aquisitiva), diretamente ou através de exceção, ante a inércia do promitente vendedor em cobrar as parcelas ou requerer a resolução do compromisso de compra e venda.
 
Sobre este assunto, poder-se-ia redargüir, afirmando que em face da prescrição da pretensão de cobrar as parcelas do preço, fatalmente o promitente vendedor sucumbiria ao prazo de posse do promitente comprador, o que autorizaria a este adquirir a propriedade por uma das espécies de usucapião
 
Não me parece ser assim.
 
Isto porque a obrigação de pagar as parcelas subsiste, ainda que na condição de obrigação natural, mas indubitavelmente obrigação.
 
De outro lado, a posse do promitente comprador que não a restitui em razão do seu inadimplemento passa a ser precária, com supedâneo no abuso de confiança e, portanto, impossível de gerar usucapião (Código Civil, art. 1.203 e 1.208).
 
Assim sendo, é necessário separar as pretensões decorrentes do art. 475 do Código Civil de tal sorte que o promitente vendedor poderá exigir, sempre, com fundamento no inadimplemento – em razão da posse precária – a resolução do contrato e a reintegração da posse do bem prometido à venda por se tratar de pretensão imprescritível, decorrente de ação desconstitutiva, ainda que a pretensão de cobrar as parcelas esteja irremediavelmente prescrita.
 
Neste sentido:
 
TJSP - Apelação n. 994.08.133177-6 – 8ª Câmara de Direito Privado - Rel. Des. Salles Rossi - julg.: 27.10.2010). Rescisão de contrato cumulada com reintegração de posse - Usucapião alegado como matéria de defesa - Inadequação, em sede de ação de rescisão contratual - Ademais, a existência de relação contratual entre as partes afasta o reconhecimento de posse ad usucapionem - Promitentes compradores inadimplentes desde o ano de 1998 - Posse precária, sem animus domini - Reintegração que é consequência do rompimento do negócio - Improcedência mantida - Recurso improvido"
 
De fato, o inadimplemento contamina a posse. De mais a mais, “enquanto o compromisso estiver sendo executado, não se pode cogitar de prescrição de ação decorrente de seu descumprimento ou de impossibilidade de cumprimento” (TJSP - Apelação Cível n. 9141003-77.2006, Julg: 12/04/2011).
 
Nada obstante essas razões, encontro entendimento diverso com o qual, data venia, não posso concordar:
 
Compromisso de compra e venda - Usucapião - Promitente vendedor que nunca se opôs à inadimplência do contrato e à introdução de benfeitorias no imóvel - animus domini do promissário comprador caracterizado - Circunstância que autoriza a aquisição da propriedade do bem por meio da usucapião (STJ) - RT 829/144.