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O promitente vendedor tem interesse processual em exigir a outorga da escritura?

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LUIZ ANTONIO SCAVONE JUNIOR

Advogado, Administrador pela Universidade Mackenzie, Mestre e Doutor em Direito Civil pela PUC-SP, Professor e Coordenador do Curso de pós-graduação em Direito Imobiliário da EPD, Pro­fessor de Direito Civil e Mediação e Direito Arbitral nos cursos de graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da FAAP. Autor de diversas obras e, entre elas: Direito Imobiliário – teoria e prática (Ed. Forense) e Comentários às alterações da Lei do Inquilinato (RT).


O compromisso de compra e venda nada mais é que o contrato preliminar mediante o qual o promitente vendedor se obriga a outorgar a escritura ao promitente comprador depois de receber o preço convencionado.

Trata-se de obrigação de fazer consistente na declaração de vontade no contrato definitivo - a compra e venda - em regra por escritura pública lavrada por tabelião.

Certo é que, se houver o descumprimento da obrigação de outorgar a escritura por parte do promitente vendedor, o promitente comprador, credor da outorga da escritura, pode exigi-la através da ação de adjudicação compulsória ou da ação de obrigação de fazer, respeitados os requisitos de cada uma das espécies.

Todavia, é de se questionar se, do outro lado, o promitente vendedor, depois de receber o preço, pode compelir o promitente comprador a receber a escritura.

Antes de enfrentar a questão polêmica ligada ao tema, preliminarmente é possível afirmar que, havendo previsão contratual da obrigação de o promitente comprador receber a escritura em prazo determinado após a quitação, admitida inclusive cláusula penal específica no caso de mora, resta evidente que o promitente vendedor pode exigir o cumprimento através de ação de obrigação de fazer com pedido de imposição de multa diária (asterinte), nos termos dos arts. 475-I, 461 e 461-A do Código de Processo Civil.

Ultrapassada a clareza inicial decorrente da previsão contratual da obrigação de o promitente comprador receber a escritura, indaga-se a mesma possibilidade diante da ausência de previsão neste sentido no pacto entre as partes.

Há interesse processual do promitente vendedor (interesse necessidade)?

É preciso lembrar que o interesse processual existe na exata medida em que o autor da ação necessita da prestação jurisdicional pelo exercício do direito de ação para alcançar pretensão legítima, com fundamento na lei, que lhe conceda utilidade no plano material, mas encontra resistência injustificada da parte contrária.

Em consonância com o acatado é possível afirmar que existe o interesse processual do promitente vendedor em buscar tutela jurisdicional para compelir o promitente comprador a receber a escritura, ainda que o contrato seja omisso.

O direito de propriedade do promitente vendedor foi quase que totalmente esvaziado pela quitação do preço pelo promitente comprador e somente era mantido como garantia do recebimento de preço, não havendo mais qualquer utilidade na sua manutenção. Pelo contrário, pode lhe impor prejuízos consideráveis, o que justifica plenamente o seu interesse processual.

Posso exemplificar: o proprietário do imóvel responde pelos danos decorrentes da ruína em razão da falta de manutenção, o que se afirma com suporte no art. 937 do Código Civil, responsabilidade esta que encontra sua origem na cautio damni infecti do Direito Romano, que autorizava o pretor a exigir caução do proprietário que não preferisse o abandono.

Há outras consequências, como a obrigação de pagar condomínio, qualificada como obrigação propter rem nos termos do art. 1.345 do Código Civil, inclusive havendo alguns julgados que sustentam que é facultado ao condomínio escolher entre processar o proprietário ou o promitente comprador, ainda que tenha ciência da promessa. E a execução decorrente da condenação no pagamento dos débitos condominiais não fica adstrita à penhora do próprio imóvel, podendo invadir a esfera patrimonial do réu da ação, justamente o promitente vendedor que na hipótese que ora trato já recebeu o preço e mantém a propriedade totalmente esvaziada.

Se não bastasse a questão condominial, existem outras obrigações propter rem, como aquelas decorrentes dos tributos vinculados ao imóvel e obrigações pelo pagamento do consumo de água.    

Por todas essas razões, penso que o interesse processual do promitente vendedor é evidente, evidentíssimo, aliás.

Neste sentido, o seguinte julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo que, inclusive, deferiu o pleito de dano moral pelo fato de o promitente vendedor ter seu nome incluído no rol de inadimplentes:

TJSP - 0002542-08.2010.8.26.0077 - Apelação - Relator: Francisco Loureiro - Comarca: Birigüi - Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento: 28/04/2011 - Data de registro: 29/04/2011 - Outros números: 25420820108260077 - Compromisso De Venda e Compra Obrigação de Fazer Ação ajuizada pela promitente vendedora contra o promitente comprador para compeli-lo a receber a escritura do imóvel, cujo preço se encontra integralmente pago Interesse da promitente vendedora para que as taxas e tributos ou mesmo obrigações propter rem, ou responsabilidade civil por ruína do prédio, não recaiam sobre quem mantém formalmente o domínio, mas despido de todo o conteúdo, já transmitido ao adquirente. Dano Moral. Ocorrência. Autora que, em decorrência da inexistência de regularização da propriedade do bem, teve seu nome negativado - Ação procedente - Recurso provido. 

Em sentido totalmente contrário, inadmitindo o pleito pelo promitente vendedor, encontrei o seguinte julgado com o qual, data venia, não posso concordar:

TJSP - Apelação s/ rev. 4291784400 – Relator: Luiz Ambra - São Paulo - 8ª Câmara de Direito Privado - Julg: 16/09/2009 - Reg: 22/09/2009 - ação de preceito cominatório buscando cumprimento de obrigação de fazer (vir receber escritura definitiva de venda e compra de imóvel antes compromissado) - Recurso contra indeferimento liminar da inicial, reconhecida a falta de interesse do autor à propositura da demanda – Escopo  do pedido (não mais ser cobrado pelas despesas condominiais do imóvel) que não se erige em justificativa suficiente para sua formulação - A promessa de venda passada com transferência da posse do bem, de si, já inibe a possibilidade de tais cobranças - Carência bem decretada, apelo improvido.

Posta assim a questão, em razão do risco deste último entendimento, é de todo recomendável que a obrigação de receber a escritura esteja disposta em cláusula contratual, com termo certo. Como sugestão, posso indicar a seguinte redação: “O promitente comprador, sob pena de multa de (...), sem prejuízo das medidas judiciais, se obriga a receber a escritura em até (...) dias da quitação do preço, em tabelião indicado pelo promitente vendedor por qualquer meio idôneo de comunicação, obrigando-se, ainda, a entregar seus documentos e a pagar os tributos e custas necessárias à outorga de escritura em cumprimento deste contrato.”